sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Queixa contra médico continua nos tribunais

Quando deu entrada no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (CHBA), em Portimão, a 23 de Outubro de 2004, o belga Ferdinand Michiels, com cerca de 80 anos, estava em risco de cegar do olho direito. Dias antes, tinha sido operado às cataratas por Franciscus Versteeg, na I-QMed, em Lagoa.

A 26 de Outubro, o doente apresentou queixa contra o cirurgião holandês na Ordem dos Médicos (OM). E, a 9 de Novembro, foi a vez de o director do Serviço de Oftalmologia do CHBA, Jorge Correia, denunciar o caso à OM. Continua à espera há seis anos.

Eliane Michiels, viúva do doente (falecido em 2007), residente em Portimão, evocou ontem ao CM os momentos 'assustadores' então vividos: 'Ele tinha muitas dores e estava em risco de perda total de visão daquele olho. A operação na I-QMed, pela qual pagou 1150 euros, correu mal. Ele tinha uma infecção grave mas o dr. Versteeg foi para a Holanda e não o tratou. Se não fosse a equipa do CHBA teria ficado cego.'

O historial do sucedido foi descrito ao CM por Jorge Correia: 'O doente veio para o CHBA, transferido do Hospital Particular do Algarve (HPA). Apresentava uma endoftalmite. Disse--me que, no dia depois da operação, na I-QMed, não se sentia bem e foi visto pelo cirurgião. Mas, no dia seguinte, seria atendido por um auxiliar, que lhe tirou uma foto ao olho e a enviou, via multimédia, ao médico. Este estaria na Holanda foi de lá que o medicou.'

Como o problema se manteve, a I-QMed internou o doente no Hospital Particular, em Alvor, de onde seria transferido, de urgência, para o CHBA. Aqui, submetido a um tratamento 'agressivo', recuperou e teve alta a 6 de Novembro.

'Os doentes têm de ter seguimento médico, o que não pode ser feito por um auxiliar', frisou o director de Oftalmologia do CHBA, que, desde a queixa, apenas recebeu da OM, a 31 de Março de 2005, uma carta a acusar a recepção da participação e a pedir informações sobre quem era o director clínico da I-QMed, à qual respondeu.

O porta-voz da OM, Diamantino Cabanas, esclareceu que o 'processo se mantém aberto, em segredo de justiça'. E disse que 'uma eventual condenação do médico não teria impedido os quatro casos recentes, a menos que tivesse havido ordem de expulsão, improvável na situação'.

3000 PROCESSOS DISCIPLINARES

Só na zona Sul, o Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos (OM) tem actualmente em mãos 'mais de mil processos'. O número foi ontem revelado ao CM pelo porta-voz da OM, Diamantino Cabanas, segundo o qual no Norte e no Centro os números 'serão idênticos'.

No que diz respeito aos doentes operados na clínica de Lagoa, o bastonário da OM, Pedro Numes, 'mesmo sem queixa, decidiu enviar os casos para Conselho Disciplinar', frisou Diamantino Cabanas.

DOENTES NÃO QUEREM NEGOCIAR COM O MÉDICO

As primeiras palavras públicas do médicos holandês, Franciscus Versteeg, autor das cirurgias que cegaram quatro doentes, não foram bem recebidas por familiares e amigos dos pacientes. '15 mil euros de indemnização é muito pouco. Penso que a Valdelane não quer negociar mas sim que o processo siga para tribunal', referiu Josiane, amiga da doente brasileira. Por sua vez, Rosário Barradas referiu: 'Não há dinheiro que pague a vista.' A filha de Ernesto Barradas entende que o médico tem de ser condenado. Para o médico holandês, pagar indemnizações aos doentes é a única forma possível de 'fazer as pazes com eles'. Em declarações a um jornal diário, Franciscus Versteeg confirmou que tanto a clínica, como a actividade têm seguro e garantiu ser o único responsável pelas cirurgias realizadas na clínica de Lagoa.

IDOSOS RETIRAM OLHOS LESADOS PARA A SEMANA

Os dois doentes mais velhos, de 83 e 88 anos, que cegaram na sequência da operação às cataratas na clínica I-QMed, deverão ser submetidos a uma intervenção cirúrgica na próxima semana para retirarem os olhos lesados afim de serem colocadas próteses, apurou o CM. A decisão médica ainda não foi, contudo, comunicada a Rosário Barradas, filha de Ernesto Barrados, de 83 anos.

'Não sei de nada, e se assim for lamento não me ter sido ainda comunicada uma decisão que envolve uma situação tão delicada', referiu.

O idoso que desconhece ter perdido a visão do olho direito para sempre mantém a vista ainda muito inflamada e sofre de muitas dores, contou a filha.

Também a doente de 88 anos, residente em Beja, será sujeita à mesma operação, que já na terça-feira foi realizada ao cidadão inglês, de 66 anos, que também cegou na sequência da operação.

Michael Donovan encontrava-se, ontem, em recuperação da cirurgia. A extracção do olho visa evitar dores e desconforto ao doente devido à infecção.

Relativamente à cidadã brasileira, Valdelane Santos, 35 anos, que cegou dos dois olhos, prosseguem as tentativas para salvar a visão. Ontem, a doente com dois filhos de 15 e três anos, foi pela terceira vez operada.

Segundo uma amiga, Josiane Soares, a operação correu bem. 'Foi uma cirurgia de rotina que visou retirar líquido da vista inflamada', disse. Josiane Soares acredita que a lesão pode não ter ser tão grave por ter sido tratada no dia da operação.

SEGURADORAS NÃO FISCALIZAM

A seguradora Allianz, que tem convenção com a clínica I-QMed de Lagoa, minimiza o facto de o centro médico estar irregular, considerando que o fundamental é a 'qualidade dos acto médicos'. 'A falta de cumprimento de actos médicos tanto pode acontecer numa clínica que esteja licenciada como numa que não esteja', refere fonte da seguradora, adiantando que não cabe às seguradoras fiscalizar o cumprimento das obrigações legais das clínicas privadas. O Instituto de Seguros de Portugal recusa comentar.

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